O DESAFIO ESPIRITUAL DO DESERTO

Não há dúvida de que a pandemia global causada pelo coronavírus mudou radicalmente a nossa vida e, infelizmente, este é um transtorno que teremos de enfrentar por mais algum tempo. Esse ser microscópico nos mostrou, a duras penas, nossa fragilidade e nos fez afastar daquilo que mais amamos. Seguindo as orientações dos órgãos de saúde competentes, somos convidados a viver o isolamento social como forma de combate a esse mal. Esse isolamento nos afeta de várias formas, parafraseando o Apóstolo Paulo: “Somos atacados de todos os lados” (Cf. 2 Cor 4,8). Muitos de nós nos distanciamos fisicamente de nosso trabalho, estudo, amigos, familiares e até somos tentados a pensar que também nos distanciamos de Deus, ou melhor, que Ele se distanciou de nós.

Na Sagrada Escritura, não raras vezes encontramos essa mesma experiência vivida por personagens perseguidos, encarcerados e conduzidos para a solidão. Basta rapidamente recordarmos a fuga do profeta Elias para o Monte Horeb (1Rs 19,1-18), a experiência de Paulo na prisão (2 Tm 4,16), o povo de Deus que foi peregrino no deserto vivendo o Êxodo e o próprio Cristo, conduzido pelo Espírito para o deserto ao iniciar o seu ministério (Mt 4,1). Nessas ocasiões, percebemos que a vida daqueles que buscam uma proximidade com Deus nem sempre é um “mar de rosas”, mas uma oscilação entre consolação e desolação. Assim também acontece com cada um de nós.

Podemos dizer que estamos vivendo um período de DESERTO e trago aqui toda a carga teológico-espiritual dessa palavra, como lugar: de conversão, de purificação, de recolhimento, e principalmente lugar de encontro com Deus. À primeira vista parece ser estranho que uma realidade tão hostil como o deserto possa nos proporcionar tudo isso, mas é exatamente pela ausência das coisas, pessoas e de distrações que o deserto nos “força” a um encontro com o mais íntimo de nós mesmos e com Deus. Não devemos temer o deserto, ao contrário, devemos fazer dele uma oportunidade de crescimento espiritual.

Ao passar por este deserto, muitos podem vivê-lo como momento de esfriamento espiritual. Recorro aqui novamente aos exemplos acima citados para recordar que mesmo sozinho no Horeb, Elias experimentou a presença de Deus na brisa suave. Mesmo na solidão de um calabouço, Paulo foi capaz de se sentir fortalecido pela graça de Deus. Mesmo nas dificuldades de uma longa caminhada, o povo de Deus “teimoso e de cabeça dura” foi paternalmente cuidado por Deus. Mesmo no deserto, Jesus, conduzido pelo Espírito, foi fiel à sua missão e saiu sombrancelho às tentações do maligno. Não podemos entender esse isolamento social como distanciamento de Deus, antes devemos nos esforçar para buscá-lo de modo mais intenso como nos convida o profeta Isaías “Buscai o Senhor enquanto ele se deixa encontrar” (Is 55,6). Nossa vida espiritual, nesse momento, exige de nós ,acima de tudo, esforço pessoal e criatividade.

Queria partilhar com vocês, meus caros irmãos, três passos que penso ajudar-nos viver bem espiritualmente durante essa pandemia. Por causa das circunstâncias atuais, nós estamos impossibilitados de participar fisicamente das celebrações litúrgicas da Igreja e sentimos falta dos sacramentos, não podemos nos reunir para a oração nos Grupos de Oração, enfim, estamos fisicamente longe daquilo que nos fortalece e que nos marca como membros da Renovação Carismática Católica. Como primeiro passo nesse deserto, devemos perceber aquilo que é mais essencial, a vocação primeira de um carismático. Como Jesus que foi conduzido pelo Espírito para o deserto, nós também devemos ser conduzidos por esse mesmo Espírito que não nos abandona. A vida renovada, resultado de nosso batismo no Espírito Santo, é “marca registrada” de um membro da RCC. Essa vida não deve desmoronar por não estarmos mais reunidos como antes. De modo criativo, devemos buscar meios para nos unirmos, para rezarmos junto, para partilharmos nossa vida. Os meios de comunicação social são ferramentas essenciais para esse novo modo de vivermos nossa fé e nossa espiritualidade.

São Paulo nos ensina, na sua Carta aos Romanos, a sermos pacientes e perseverantes na tribulação (Cf Rm 12,12), isso significa que devemos encarar nossas dificuldades sustentados por nossa fé. Essa virtude teologal nos leva a resignificarmos nosso sofrimento a partir do sofrimento redentor de Cristo e nos impede de mergulharmos em desespero. Há alguns dias eu terminei a leitura de uma biografia de São Pio de Pietrelcina, por quem tenho especial devoção, e fiquei particularmente tocado com o direcionamento que ele fazia a seus filhos espirituais convidando-os a viverem a resignação e a paciência. Ele mesmo deixou um grande exemplo com sua vida, pois suportou todo sofrimento pessoal e perseguição se unindo mais estreitamente ao sacrifício de Cristo. Este passo da resignação e paciência nos ajuda a voltarmos nossos corações para o alto mesmo em meio à tribulação.

O isolamento social pode trazer consigo uma grande armadilha para nossa vida espiritual: a acídia.  Pouco se fala sobre ela atualmente, mas em tempos passados era considerada o pior de todos os vícios. A acídia se refere a uma preguiça e uma apatia que nos enfraquece espiritualmente de um modo destrutível. Ela nos impede de lutar pelo que é bom, justo e nos faz acomodar com o mínimo em nossa vida. Para combater esse mal, devemos buscar forças na oração e fazê-la em nossa vida com compromisso e dedicação. Para muitos, o isolamento social proporcionou um pouco mais de tempo livre, que bom seria se o preenchêssemos com a meditação da Palavra de Deus, com uma leitura espiritual, com a prática de uma devoção ou qualquer outra forma de nos tirar dessa inércia interior. É importante usarmos nesse combate a arma da amizade, pois o encontro com os outros e com Deus nos ergue de nosso comodismo e egoísmo.

Espero que esses três passos possam ajudar a cada um nessa caminha deserto adentro. Peçamos a Deus o dom do seu Espírito Santo iluminador, para nos mostrar a direção certa em meio ao caminho da aridez. Peçamos a ele também a graça de vivermos nossas dificuldades com paciência e resignação percebendo que depois da tempestade virão tempos bons. Peçamos ainda ao Pai do céu que nos ajude a soprar as cinzas que se acumularam no braseiro do nosso coração para que, com novo vigor, possamos experimentar uma vida renovada.

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