SER CRISTÃO COM “CINCO PÃES E DOIS PEIXES”

“Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós”.” (Mt 5,11-12)

Meus caros irmãos, todas as vezes que leio e medito o capítulo 5 do Evangelho de Mateus, fico pensando em qual foi a reação daqueles discípulos ao ouvirem aquelas palavras, principalmente o “Sermão das bem-aventuranças”. Muitos corações se sentiram confortados e encorajados aos escutarem as primeiras bem-aventuranças dirigidas aos pobres, mansos, aflitos, sedentos de justiça, misericordiosos e puros de coração.

Porém o discurso de Jesus muda de tom na última bem-aventurança, ao chamar de felizes àqueles que são perseguidos e insultados. Penso que essas palavras, não menos verdadeiras que as outras, devem ter doído um pouco mais nos ouvidos daquela assembleia.

Por mais que tenhamos uma espiritualidade amadurecida, uma formação doutrinal sólida e uma vida pastoral intensa, não estamos vacinados contra a dureza das perseguições, elas nos vêm de várias maneiras e em vários momentos da vida. O próprio Cristo já nos antecipa as tribulações presentes na vida daqueles que estão dispostos a segui-lo.

Nosso Senhor nunca fez propaganda enganosa prometendo uma vida fácil e confortável para os seus discípulos, ao contrário, ele sempre insistiu no caminho da cruz. Confesso que muito me preocupa certos discursos que buscam “maquiar” essas palavras de Cristo para “anestesiar” a vida de muitos fiéis. São palavras doces, mas vazias, enquanto as Palavras de Jesus, ainda que sejam amargas, são cheias de vida.

O que fazer quando estamos incluídos neste último grupo dos bem-aventurados? Como devemos lidar com as perseguições e as injúrias? Estas questões podem aparecer em nossas vidas, ainda mais nessa situação difícil que vivemos. Queria partilhar algumas iluminações sobre essas questões que me vieram a partir da leitura, feita ainda no tempo do seminário, do livro Cinco pães e dois peixes do Cardeal Van Thuan.

Esse pequeno livro é uma rápida autobiografia do Venerável Francisco Xavier Van Thuan, um bispo vietnamita que permaneceu encarcerado durante 13 anos pelos comunistas em seu país. Apesar de pequeno no tamanho, esse livrinho guarda um grande tesouro, o tesouro da vida de um homem que enfrentou a dureza do cárcere por causa de Jesus Cristo.

O título e a estrutura desse livro Cinco pães e dois peixes, ligação direta a multiplicação dos pães do Evangelho de João (Jo 6,1-15) é uma apresentação de sua vida também feita como singela oferenda em sete pontos. Não pretendo aqui fazer uma apresentação ou resenha desse livro, mas um breve comentário sobre o testemunho de alguém que foi perseguido, injuriado e se manteve unido a Jesus e à sua Igreja em cada momento do cárcere e fez dessa experiência um alegre testemunho de fé.

O venerável Cardeal Van Thuan nos ensina o valor de escolher viver intensamente o presente. Não vale a pena ficar esperando que as coisas simplesmente aconteçam em nossas vidas nem se deve desperdiça-la com coisas secundárias. “Não esperarei. Vivo o momento presente, enchendo-o de amor”. No cárcere, ele experimentou a difícil, mas decisiva escolha de seguir em tudo a vontade divina inclusive no sofrimento. “Escolher Deus e não as obras de Deus: Deus me quer aqui e não em outro lugar”.

Durante os longos anos de prisão, todas as injurias só foram suportadas pela força da oração e nesse ponto ele nos deixa um testemunho muito realista sobre a dificuldade da vida de oração em um ambiente hostil. “Depois de minha libertação, muitas pessoas me disseram: ‘Padre, o senhor teve muito tempo para rezar na prisão’.

Não é simples como podem pensar. O Senhor me permitiu experimentar toda a minha fraqueza, minha fragilidade física e mental. O tempo passa lentamente na prisão, em particular durante o isolamento. (…) Ali houve dias em que, reduzido ao maior cansaço, à doença, não consegui rezar uma oração!”

Escolhi ressaltar também um dos momentos que, na minha humilde opinião de sacerdote, me pareceu mais emocionante: o amor à Eucaristia. Com muita dificuldade ele conseguiu vinho e pão para que pudesse celebrar cotidianamente a Eucaristia e a celebrou ora no isolamento de uma solitária, ora com um pequeno grupo de cristãos também encarcerados. “Não poderei nunca exprimir a minha grande alegria: todos dos dias, com três gotas de vinho e uma gota de água na palma da mão, celebro a minha missa. (…) Demos um jeito de tal modo que havia cinco católicos comigo.

Às 21h30min era preciso apagar as luzes e todos deviam dormir. Inclino-me sobre a cama para celebrar a missa, de cor, e distribuo a comunhão, passando a mão por debaixo do mosquiteiro. Fabricávamos saquinhos com o papel dos maços de cigarros, para conservar o Santíssimo Sacramento. Jesus eucarístico está sempre comigo no bolso da camisa”. Cardeal Van Thuan também expressa nesse livro seu carinho e devoção para com a Virgem Maria. Ele foi preso no dia 15 de agosto, Solenidade da Assunção de Nossa Senhora e ele a teve por companhia todos os dias de sua prisão.

No último capítulo desse livrino, ele deixa uma espécie de itinerário espiritual fundamentado na sua doação a Jesus Cristo, essa parte vou omitir nesse artigo para suscitar em cada um a santa curiosidade para a leitura desse livro.

O sofrimento, a vida e o testemunho do Venerável Cardeal Van Thuan, que está em processo de beatificação, é um grande exemplo de perseverança em meio a sofrimento e amor incondicional a Jesus Cristo. Esses são os dois pontos essenciais na vida de qualquer um de nós que queremos ser discípulos autênticos de Jesus capazes de enfrentar tudo por causa do Evangelho.

“Há uma ‘carta magna’: as bem-aventuranças, que Jesus pronunciou no sermão da montanha. Viva-a plenamente: experimentará uma felicidade que poderá comunicar depois a todos aqueles que encontrar”.

VAN THUAN, François-Xavier Nguyen. Cinco pães e dois peixes: do sofrimento do cárcere um alegre testemunho de fé. Aparecida: Editora Santuário, 2000.

 

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